Novo normal sabor menta

Carla era uma dessas pessoas neuróticas com aromas e cheiros em geral. Sempre, antes de comer, dava aquela checada no alimento antes de colocá-lo na boca. Bradava aos 4 ventos que se preocupava muito com o cheiro, gastava fortunas com perfume e se recusava até a dormir sem dar aquela esguichada de alfazema no pescoço: “Deus me livre feder. Odeio esse pessoal que não dá a mínima pra isso.” Sua bebida favorita? Vinho, claro. Todo aquele misancene, aquele cheira rolha, cheira a bebida na taça, cheira junto com o gole. O auge pra ela.

Pois bem. 2020 chegou e com ele a pandemia, e com ela o isolamento social, e com ele a necessidade de usar a máscara ao sair de casa. Na primeira vez que Carla usou a máscara foi por pouco tempo e achou ok. Foi uma ida rápida à padaria mas ela se incomodou com algo e não sabia identificar exatamente o que era. Ficou pensativa. Será possível?

O comércio voltou a funcionar e com isso ela teve que voltar ao trabalho, é gerente de uma loja de roupas em um shopping no bairro que mora. Ou seja: precisava sempre se apresentar impecável para o público. Na segunda hora de uso de máscara começou a sentir um odor diferente e desacreditou que aquilo poderia estar saindo de sua boca. Era um cheiro de guardado, úmido, algo que ela nunca tinha sentido antes. Ficou um pouco preocupada. Como isso era possível? Ela tinha acabado de escovar os dentes ao sair de casa!? Estaria aquele cheiro ultrapassando os limites de sua máscara protetora e atingindo os narizes de seus colegas? Correu para pegar uma bala de hortelã que ficava no caixa a disposição dos clientes. Foi disfarçadamente ao estoque, puxou a máscara de lado e antes de colocar a bala na boca checou o hálito. Parecia tudo sob controle. Colocou a bala na boca. Como era possível. Que cheiro é esse, pelo amor de Deus? Checou a máscara. Tudo parecia normal também.

No dia seguinte, Carla achou melhor levar 9 máscaras. Uma para cada hora do dia. Todas lavadas com seu amaciante favorito. Além disso, comprou pacotes de chiclete e passou a mastigar durante o dia inteiro, sem parar, temendo sentir aquele odor novamente. Seus olhos chegavam a arder de tanta refrescância que vinha de sua boca e subia pelas pequenas aberturas que ficam logo acima do nariz mas pensava que era melhor ter os olhos ardendo de refrescância do que aquele cheiro novamente. Deus me livre. Ela ficava louca de nojo só de olhar as outras pessoas ao redor e imaginar o que elas possivelmente estariam sentindo com aquela máscara colada na cara o tempo todo. Me da arrepios só de imaginar, ela pensava.

Os meses se passaram e a pandemia também. Tudo parecia estar voltando a normalidade menos a nóia de Carla com o cheiro de sua boca. Mesmo sem a obrigação de usar máscaras a todo momento, ela agora tinha passado a mastigar chicletes freneticamente. Só parava para comer. Tinha até se acostumado com o gosto de hortelã que suas refeições passaram a ter. Não importava. Tudo era melhor do que feder.

Pobre coitada, de tanto mastigar Carla passou a sentir dores no maxilar e por recomendação médica teve que parar com os chicletes e balas. Seu dentista insistia que não havia nada de errado com seu hálito mas se continuasse nessa mastigação incessante poderia desenvolver problemas no estômago além de agravar ainda mais as dores no maxilar. Ela teria que conviver com os cheiros de seu próprio corpo e a estarrecedora realidade de que nós seres humanos exalamos diversos odores, por mais que tentemos disfarçar, esconder ou evitar. Carla passou a odiar o novo normal.

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